A Unidade do Ser: Budismo e Técnica Alexander
- Pedro Henrique
- 16 de abr.
- 8 min de leitura
Atualizado: 21 de abr.
Texto de Catón Carini e Verónica Bellón, originalmente publicado em Buddhistdoor
Este texto nasceu dos inúmeros diálogos informais que surgiram naturalmente entre os dois autores no contexto das aulas da Técnica Alexander. Um deles, a partir de sua posição como estudante dessa disciplina — e praticante do budismo —, e a outra, a partir de sua trajetória como professora da Técnica há mais de 15 anos. Esses intercâmbios evidenciaram numerosas coincidências entre o budismo e um método de reeducação psicofísica que surgiu na Austrália no início do século XX. Não pretendemos esgotar todos os elementos que ambas as disciplinas compartilham, mas sim percorrer alguns deles e refletir sobre a forma como a Técnica Alexander pode não apenas contribuir com a prática da meditação, mas também com a integração de seus efeitos benéficos à vida cotidiana.
Há mais de 100 anos, o jovem ator de teatro australiano Frederick Matthias Alexander (1869–1955) realizou, por meio de uma profunda auto-observação, uma série de descobertas sobre como usar de maneira mais eficiente a estrutura corporal. Esses achados se tornaram o fundamento de uma técnica de reeducação psicofísica que, desde o início, foi recomendada por figuras como Aldous Huxley, Bertrand Russell, George Bernard Shaw, John Dewey, Nikolaas Timbergen e Raymond Dart. Atualmente, é bem conhecida entre atores, dançarinos, músicos e cantores, sendo parte da formação profissional em muitos centros de ensino de excelência.

Especializado em interpretar Shakespeare, Alexander começou a enfrentar problemas vocais durante suas apresentações, chegando a ficar praticamente afônico ao final delas. Após consultar todos os médicos e terapeutas disponíveis, sem obter resultados satisfatórios, e pressionado pela necessidade de resolver uma dificuldade que ameaçava sua promissora carreira de ator, iniciou, com desejo, curiosidade e questionamento, uma investigação minuciosa sobre si mesmo para entender como funcionava sua voz e por que a perdia. Ao longo dessa investigação, compreendeu, a partir de sua própria experiência empírica e mente ocidental, que somos um ser indivisível, e que o uso da voz e da respiração não está separado do restante da totalidade psicofísica. Uma dificuldade aparentemente isolada não pode ser superada sem uma mudança total em todo o ser.
Após anos observando-se com a ajuda de espelhos enquanto realizava ações simples como falar, sentar-se e levantar-se, Alexander descobriu que a estrutura física do ser humano é um sistema que envolve um equilíbrio sutil e dinâmico entre todos os seus aspectos — equilíbrio esse que frequentemente se deteriora, adormece ou colapsa. Isso interfere em funções importantes como locomoção, respiração, circulação sanguínea e digestão, tornando ineficiente a forma como organizamos o corpo em repouso ou movimento — de modo que até mesmo um ato como sentar-se pode exigir muito esforço por conta do excesso de tensão ou da falta de tônus.
Ao observar seus movimentos nos espelhos, Alexander não apenas tomou consciência do uso ineficiente de si mesmo, mas também percebeu que não podia confiar em suas próprias sensações ao tentar corrigir esse uso, pois quando achava que estava fazendo algo certo, na verdade estava fazendo outra coisa. Incapaz de confiar em sua percepção sensorial — por esta estar condicionada por hábitos —, ele concluiu que precisava não apenas restaurar e reeducar os padrões de movimento, mas também sua percepção sensorial por meio da observação.
Percebeu ainda que não poderia restabelecer o uso de seu corpo a partir de correções diretas, pois a tentativa de mudança por meio de um “fazer” gerava mais tensão e desorganização. Descobriu, então, que o primeiro passo era observar e reconhecer onde estava interferindo. Não se tratava de corrigir diretamente sua estrutura, mas sim de interromper a reação habitual a um estímulo. Para isso, Alexander desenvolveu o princípio da “inibição”, que consiste em não permitir a reação automática e habitual a um estímulo. Nesse parar consciente reside, segundo ele, a liberdade de poder escolher: reagir de forma habitual, não reagir, ou fazer algo diferente. Ao frear essa reação, cria-se um espaço e tempo que nos permite ver a nós mesmos.
Não-fazer é, antes de tudo, uma atitude mental. Uma decisão de parar e reconhecer os padrões habituais no uso de si.
Alexander durante uma de suas aulas.
Fonte: The Society of Teachers of the Alexander Technique
A partir dessa pausa e soltura, torna-se possível pensar as direções. Essas “direções” não consistem em executar algo diretamente, como corrigir a postura, mas sim em um processo indireto, que envolve a projeção de mensagens do cérebro para determinadas partes do corpo. As direções envolvem conceber, verbalizar e até visualizar o corpo se soltando, alongando e expandindo. São instruções mentais que, de maneira indireta, promovem expansão e um tônus muscular adequado, recuperando comprimento, largura e volume da estrutura corporal — restabelecendo, assim, seu mecanismo de suporte e equilíbrio dinâmico. Se observarmos uma criança pequena se movendo, podemos reconhecer esse equilíbrio e coordenação naturais. Não é só o uso do corpo, mas de todo o seu ser que está presente na atividade que explora. Essa estrutura utilizada em sua máxima expressão revela seu potencial, equilíbrio, harmonia e beleza.
Embora representassem uma abordagem inovadora para o contexto ocidental do início do século XX, as descobertas de Alexander estão em completa sintonia com a cosmovisão e filosofia orientais, hoje amplamente conhecidas. Grande parte da prática da Técnica Alexander baseia-se em estar presente no aqui e agora, com uma mente atenta, alerta e consciente ao realizar as atividades mais simples do cotidiano, como varrer o chão, cozinhar ou lavar a louça. Assim, descreve-se o efeito da Técnica Alexander como uma “iluminação do corpo”, experimentada de maneira contundente e visível por seus praticantes, uma expansão e leveza corporal que beira o milagroso.
Os pontos de encontro com a cosmovisão e prática do Budismo são muitos. Por exemplo, a profunda auto-observação sem reagir ou intervir é a base da meditação budista zen e vipassana. Nesta última, observa-se minuciosamente as sensações do corpo, parte por parte ou através de um escaneamento unificador, sem alterar o que é observado, ou seja, sem reagir automaticamente com apego às sensações agradáveis ou com aversão às desagradáveis. Assim, ao sentir uma tensão nas costas durante a meditação e observá-la equanimemente, sem se mover ou tentar mudá-la, pratica-se exatamente o que F.M. Alexander chamava de “inibição”.
No zen também se observa o corpo, a respiração e os pensamentos, deixando passar as formações mentais sem interferir na respiração, mantendo a consciência da estrutura corporal. A maneira de sentar-se adquire no zen uma importância especial, sobretudo a posição da cabeça — esteja-se em lótus completo ou meio-lótus. São dadas instruções como: “empurrar a terra com os joelhos e o céu com a cabeça”, “alongar a nuca e recolher o queixo”, “nariz em linha vertical com o umbigo”. Existe também a noção da percepção sensorial ilusória, e sabe-se que muitas vezes se acredita estar sentado corretamente quando, na realidade, há um ombro mais alto, a cabeça pendendo para frente ou a coluna inclinada. Para corrigir isso, o mestre pode colocar um espelho à frente ou ao lado, enquanto um praticante experiente percorre a sala de meditação corrigindo a postura dos que estão em zazen.

De forma mais geral, pode-se afirmar que o “não fazer” constitui não apenas a base do zen, mas também do taoismo e da sabedoria perene de todas as tradições místicas. Não é necessário se esforçar para encontrar a luz, pois a liberdade e a iluminação surgem ao deixar de fazer, de interferir. Como um copo com água suja que decanta com o tempo, deixando a água cristalina por cima e o lodo no fundo, o satori, a iluminação ou o despertar surgem naturalmente quando a mente se acalma e deixa de perseguir desejos — inclusive o desejo de se iluminar. Como se diz no zen, da mesma forma que a respiração adequada surge de uma postura integrada, equilibrada e expandida, a atitude do espírito flui naturalmente de uma atenção profunda ao corpo físico e à respiração.
No que diz respeito ao Budismo Vajrayana, essa tradição há séculos enfatiza que o corpo, tal como é autopercebido pelo não iniciado, é uma construção ilusória enraizada em hábitos profundos de percepção. Segundo os ensinamentos dos mestres e lamas tibetanos, visualiza-se o corpo de acordo com um modelo que questiona a concepção materialista ocidental, fazendo-o parecer luminoso, imaterial, expandido e etéreo. Visualizar o corpo dessa forma não significa substituir uma imagem corporal realista por outra nascida da ilusão, mas sim combater o hábito de perceber o próprio corpo de maneira kármica ou condicionada, promovendo uma percepção mais próxima do real. Nesses exercícios, constrói-se uma identidade sagrada para romper o padrão de se perceber como um ser ordinário. O corpo se transfigura, tornando-se um corpo utópico. A partir daí, com a imaginação, pode-se reconstruir o sistema de canais de energia do corpo sutil e realizar um ajuste energético que equilibra o corpo físico.
Em suma, um dos encontros mais importantes entre a filosofia budista e a Técnica Alexander é a visão não dualista do ser humano. Corpo e mente são concebidos como aspectos estreitamente entrelaçados de um único fenômeno, “como duas faces de uma folha de papel”, como dizia o mestre zen Taisen Deshimaru. De forma pioneira para sua época, Alexander afirmou que o ser humano é uma unidade psicofísica indivisível, e que seus pensamentos, emoções e experiências condicionam sua forma de mover-se, sentar-se, falar e caminhar. Por isso, desenvolveu um método que utiliza pensamento, imagem e verbalização para influenciar o corpo físico e melhorar a organização corporal e a forma de reagir às situações da vida.
Muitos iniciantes na prática Budista não esperam confrontar-se com a dimensão corporal e sensorial de si mesmos. Assim, durante retiros de meditação zen ou vipassana, é comum ouvir iniciantes surpresos ao perceber que a prática é “muito mais física” do que imaginavam. Até mesmo meditadores experientes tentam seguir a orientação de “sentar-se ereto” por meio de um “fazer” direto, alternando entre rigidez muscular e colapso postural. Nesse sentido, a Técnica Alexander pode auxiliar a prática da meditação, permitindo sentar-se de forma confortável por períodos prolongados, com melhor suporte e equilíbrio natural.
Mas os benefícios da Técnica Alexander para praticantes Budistas não se limitam às horas de meditação. Muitas vezes, ao retornar de um retiro, é difícil manter o estado de presença, alerta e equanimidade no cotidiano. A Técnica Alexander pode ajudar a integrar esse estado mental a todas as atividades, pois promove atenção ao corpo, às emoções, aos pensamentos e ao ambiente externo. Desde o início do século passado, a Técnica Alexander tem ajudado inúmeros atores, músicos, cantores e pessoas em geral a ter mais fluidez no movimento, equilíbrio mental e uma presença relaxada e atenta — por isso, é provável que a comunidade de meditadores possa tirar grande proveito de seu aprendizado. E aqueles que o fizeram, não hesitam em afirmar que a Técnica Alexander constitui, por si só, uma prática espiritual.
Se você quiser saber mais sobre a Técnica Alexander, estou à disposição para oferecer suporte e ajudá-lo(a) a explorar seus aspectos mais profundos. Sessoes individuais online e presencial na regiao da Paulista e Santa Cecilia, São Paulo. Contato: +55 11 97689‑4265 (WhatsApp)
Sobre os autores:
Catón Eduardo Carini é formado em Antropologia pela Universidade Nacional de La Plata (UNLP), com mestrado em Antropologia Social pela FLACSO e doutorado também pela UNLP. Atua como pesquisador no CONICET (Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas da Argentina) e como professor de Antropologia Cultural e Social na UNLP. Seu interesse pelo budismo começou em 1999, quando passou a praticar meditação zen com o mestre francês Stéphane Thibaut, da Associação Zen da América Latina. Depois, dedicou-se à meditação vipassana nos centros ligados ao mestre birmanês S. N. Goenka e à tradição dzogchen do budismo vajrayana, orientado pelo mestre tibetano Chogyal Namkhai Norbu.
Verónica Bellón é bailarina e coreógrafa, formada pela Armar Danza Teatro, em Buenos Aires. Estudou a Técnica Alexander entre 2001 e 2005 na ATON (Amsterdam, Holanda), com o professor Arie Jan Hoorweg. É membro da AATA (Associação Argentina de Técnica Alexander) e da STAT (Sociedade de Professores da Técnica Alexander). Dá aulas regulares na ETABA (Escola de Técnica Alexander de Buenos Aires). Além das aulas individuais, Verónica oferece workshops para aplicar os princípios da Técnica Alexander em artes performáticas (dança, teatro, música) e também no Yoga, inclusive na formação de professores de Yoga. Ela também é professora do Método Shaw (Técnica Alexander aplicada à natação), com formação em Londres em 2009 com Steven Shaw, e do método Arte de Correr (aplicado à corrida), com formação em 2016 com Malcolm Balk. Trabalhou com Steven Shaw em vários cursos no Reino Unido, Madrid e Barcelona, e atualmente ensina o método em cursos na Etaba e em oficinas abertas ao público.
Verónica também é diretora do CETA (Centro de Estudos da Técnica Alexander) e da Formação de Professores da Técnica Alexander em La Plata, Argentina. O CETA foi criado em 2023 e a formação abriu este ano (2025).
Link da escola: https://www.instagram.com/ceta.tecnicalexander?utm_source=ig_web_button_share_sheet&igsh=ZDNlZDc0MzIxNw==
Sobre Veronica: https://asociaciontecnicaalexander.com.ar/veronica-bellon/
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